Reportagem da TV Acre, reproduzida pelo G1(leia), tenta criminalizar a fogueira de São João que o Centro de Iluminação Cristã Luz Universal - Alto Santo, origem da doutrina do daime, fundado por Raimundo Irineu Serra, está preparando para o festejo junino neste ano.
O centro religioso funciona há 68 anos no local e moradores e seguidores da doutrina convenceram o então prefeito de Rio Branco, Raimundo Angelim, a decretar, em julho de 2005, mais de 800 hectares como Área de Proteção Ambiental (APA). A fogueira é uma tradição com mais de 68 anos, pois Irineu Serra e seus seguidores se estabeleceram primeiramente em outra área rural da cidade.
A APA Raimundo Irineu Serra foi criada com o objetivo de contribuir para a preservação do meio ambiente e da tradição religiosa. É a maior área verde na bacia do igarapé São Francisco e certamente a maior no perímetro urbano de Rio Branco.
A fogueira é feita apenas de madeira branca, sobretudo de freijó, mulungu e faveiro, que é a árvore mais abundante na área. Os moradores e seguidores da doutrina não fazem exploração comercial ou outros usos da madeira.
A secretária de Meio Ambiente de Rio Branco (Semeia), Silvia Brilhante, declarou à reportagem da TV Acre que para a retirada de qualquer árvore, seja em local público ou privado, é necessária uma autorização ambiental, mesmo sendo um caso ligado à religião. Ela enviou equipe de fiscalização e afirmou que os responsáveis podem pagar multa de até R$ 2,4 mil por cada árvore derrubada.
Silvia Brilhante assinalou que a derrubada das árvores precisa ser liberada pela Semeia e por se tratar de uma APA considerou o caso “mais preocupante e grave”.
O blog obteve depoimentos do jornalista Antonio Alves, que frequenta o Alto Santo e que faz parte do conselho da APA dentro da Semeia, do agrônomo Arthur Leite, ex-secretário Meio Ambiente de Rio Branco, e do botânico Evandro Ferreira. Os quatro consideram factível a exploração da madeira branca, principalmente do faveiro, que é a principal árvore usada na fogueira de São João do Alto Santo:
Antonio Alves, jornalista
"Vi no G1 uma matéria sobre uma fogueira de 20 metros de altura em Mâncio Lima (veja). Lá é bonitinho, mas aqui a TV Acre filma nossa fogueira de dentro do carro e vem com essa história de “nossa reportagem flagrou”, como se fôssemos um bando de criminosos. Podiam ir conosco à mata ou pedir nossas imagens, pois gravamos tudo. E na finalização da fogueira teremos uma equipe que vem fazer um documentário para a TV Brasil. Mostraremos nossa fogueira ao país inteiro, nossa festa de São João, nossa tradição de povo da floresta. Estamos dentro da lei e não temos nada a esconder.
Nossos vizinhos, das fazendas ou da cidade, não fazem fogueira de São João. Nós fazemos porque temos floresta. Cuidamos dela, plantamos, aproveitamos com sabedoria. Não fazemos queimada, nem desmatamento. Não fazemos uso comercial nem industrial de madeira, palha, semente, nada. O que retiramos, para algum uso eventual, é quase nada comparado ao que plantamos e o que a mata repõe naturalmente.
Uma vez por ano fazemos um adjunto com mais de 40 homens, tiramos faveiro, mulungu, freijó, mangueira, árvores de capoeira que crescem rápido, empilhamos com nossos braços em dias de muito suor e alegria. No final, nossa madrinha Peregrina Gomes Serra vem acompanhada de nossas mães, esposas e muitas crianças, nossos filhos e netos, para soltarmos fogos e fazermos uma foto ao lado da fogueira, que vamos acender ao cair da tarde de 23 de junho, no início do festival de São João.
Tenho pena de gente que não conhece nem ama a floresta, que não faz festa pra São João, que não sabe o que é o Daime, que nem olha para a lua ou para as estrelas, que tem medo da natureza e se protege dela atrás de uma mesa, um computador, uma televisão, uma vida de consumo e matéria plástica. No final, tudo queima. Viva São João!”.
Evandro Ferreira, botânico
“Inconsequente essa tentativa de proibir os moradores da APA Irineu Serra de usarem a madeira da faveira canafístula, cientificamente conhecida comoSchizolobium amazonicum, para fazer suas fogueiras durante as comemorações do São João, uma manifestação cultural e religiosa longamente praticada pelos adeptos do grupo religioso do Santo Daime que residem na referida unidade de conservação.
Em primeiro lugar é bom esclarecer que a APA é uma unidade de conservação de uso sustentável na qual aos moradores locais é permitida a exploração dos recursos naturais para sua sobrevivência ou comercialização. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) classifica as APAs na mesma categoria das Reservas Extrativistas, nas quais os seringueiros podem morar e explorar a floresta para garantir o sustento de suas famílias. Na APA é a mesma situação, com o diferencial de que nelas, para a sua criação a lei admite que o aspecto cultural possa ser considerado como um dos requisitos para a sua existência. E isso a APA Irineu Serra tem de sobra, pois sua criação decorreu da insistência dos praticantes do Santo Daime, que temiam que a destruição dos remanescentes florestais existentes no bairro Irineu Serra descaracterizasse a profunda ligação dos seguidores da doutrina com a floresta.
Em segundo lugar, a retirada de árvores de faveira das áreas florestais da APA Irineu Serra para fazer fogueiras de São João não tem caráter comercial, mas cultural. Exigir licenças ambientais para tal atividade seria o mesmo que pedir às famílias de seringueiros que vivem em Reservas Extrativistas licenças para realizar a caça de subsistência e a derrubada de um ou outro pé de açaí e patauá para alimentar suas família.
Por último, no inventário florístico que realizamos na referida APA em 2009 constatamos (leia) que a faveira canafístula, que produz madeira branca, de pouco valor comercial, embora não seja a espécie mais abundante, é, graças ao grande porte da maioria dos seus indivíduos, a espécie dominante (20,8 m²/ha) no maior fragmento florestal existente na APA. Além disso, apresenta distribuição uniforme por todo fragmento e em razão de suas excelentes características silviculturais, especialmente a alta taxa de regeneração e rápido crescimento, sua exploração com o fim de fazer fogueiras uma única vez no ano é perfeitamente possível. Na verdade, a faveira canafístula é uma das poucas espécies existentes naquele fragmento florestal que poderiam ser exploradas comercialmente. Mas se essa fosse a intenção dos moradores da APA, então a licença de exploração e comercialização seria uma imposição legal. Não é o caso do uso da madeira para fazer fogueira”.
Arthur Leite, agrônomo
“Em relação ao problema que foi noticiado sobre o uso da madeira para a fogueira de São João, o mesmo fato já aconteceu antes. Em 2006 em uma das reuniões do conselho da APARIS, o tema foi levantado. Na época, a prefeitura ofereceu para os centros madeira dos trabalhos de poda e corte de árvores realizados na cidade. O Alto Santo optou por manter sua tradição de cortar uma árvore e preparar sua fogueira, foram então realizadas as seguintes ações:
1 - Vistoria da árvore que ia ser derrubada pela equipe da SEMEIA;
2- Plantio de 200 mudas de espécies florestais na área de capoeira realizado pelo Alto Santo como forma de compensação ambiental.
2- Plantio de 200 mudas de espécies florestais na área de capoeira realizado pelo Alto Santo como forma de compensação ambiental.
2 - Foi solicitado ao pesquisador do Inpa, Evandro Ferreira, uma pesquisa sobre o impacto ambiental da madeira utilizada existente nos remanescentes florestais da APA, a espécie mais utilizada é a canafistula (Schizolobium amazonicum), também conhecida como faveira. a conclusão do trabalho é que a exploração é factível devido a sua alta taxa de regeneração e rápido crescimento.
É necessário lembrar que a madeira é retirada de dentro da propriedade do Alto Santo para consumo e não tem finalidade comercial, como não transita por rodovias não tem a necessidade da DOF. Porém é sempre necessário solicitar o licenciamento junto a Semeia como órgão gestor da unidade para poda ou retirada da árvore.
Por fim, um dos objetivos da APA, além da preservação ambiental, é a preservação da cultura, onde a fogueira de São João se encontra inserida. A melhor forma de resolver definitivamente o problema é com a previsão desta prática no plano de manejo da unidade de conservação, que está neste momento em avaliação pelo conselho da unidade”.
Fogueira de São João em 2012
Fonte: Blog do Altino Machado
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